Mulheres árabes
A realidade árabe se apresenta pluriforme, diversificada e com muitas facetas. Longe de representar um todo homogêneo que age seguindo pautas comuns inerentes à sua religião e à sua cultura, ela é um caleidoscópio de situações, evoluções e transformações, no qual os fatores políticos, econômicos e sociais interagem com a cultura e a religião, sem que estas os predeterminem. A imagem fixa e imóvel que se costuma ter desses países e de suas sociedades procede do fato de serem interpretados através de seus regimes, em cuja maioria faltam evolução e mudança. Mas não é essa a realidade dessas sociedades. Pelo contrário, observa-se nelas um enorme dinamismo que abre as portas a muitas mudanças, ainda que em ritmos diferentes e em situações complexas produzidas pelo duplo de as mudanças se darem na base enquanto a contenção advém de cima. Levar em conta esta premissa é particularmente relevante no caso das mulheres.
É frequente que a imagem dominante que se tem das mulheres árabes seja a da mulher passiva, exótica, vítima, velada, reagindo aos acontecimentos ao invés de participar ativamente neles. Uma mulher impessoal e tornada comunitária, cuja representação está rodeada de estereótipos que interagem como fonte de preconceitos culturais. Como costuma ocorrer, a imaginários simplificadores e reducionistas opõem-se realidades complexas e contrastantes. Frente a essas concepções fixas no tempo e na geografia, a constatação empírica mostra que, pelo contrário, dão-se profundas mutações que vão mudando tudo, apesar inclusive do poder das estruturas patriarcais e dos também poderosos agentes reacionários. As sociedades árabes se encontram em processo de mudança intensa e irreversível, no qual as mulheres são um agente crucial.
Os dois filmes que a Casa Árabe apresenta nesta mostra de cinema refletem a partir de experiências bastante diferentes essa vivência e esse papel ativo que caracterizam essas mulheres. Ambos foram dirigidos por mulheres que nos transportam a universos bem diferentes: o do Iraque e o do Egito. Uma, através do documentário e outra, através da ficção.
“Dunia (Beije-me, mas não nos olhos)” é uma incursão, com matizes espirituais e inclusive místicos, pela sensualidade e o desejo. É a história de uma transgressão diante dos rígidos códigos sociais e patriarcais, personalizada numa dançarina do ventre do Cairo. Na dança, a jovem Dunia encontra o caminho para alcançar a sua emancipação.
Em “Câmeras abertas”, a diretora de cinema iraquiana Maysoon Pachachi oferece a um amplo grupo de mulheres daquele país o total protagonismo para contarem as suas experiências, algumas vezes felizes e muitas vezes trágicas. Através de seus testemunhos conhecemos a dura e dramática vivência de um Iraque destruído e violentado.
A história do Iraque na era contemporânea tem sido turbulenta e intensa. As guerras e os conflitos dominaram as principais informações procedentes desse país. Habitualmente as notícias são centradas na violência em si mesma e em seus atores, mas por trás fica a vida cotidiana de seus cidadãos e seus problemas de sobrevivência diária. Essa é a cara humana, tão frequentemente ausente no relato da informação sobre o Iraque, que Pachachi nos mostra com este documentário em torno da experiência de doze mulheres iraquianas, de diferentes cidades e de diferentes esferas sociais, políticas e religiosas.
Em resumo, dois filmes que demonstram a força criativa árabe atual e o papel que as mulheres desempenham nesse rico universo, tão pouco conhecido e tão mal retratado.
Gema Martín Muñoz, diretora geral da Casa Árabe (Espanha)