Muitas formas de migrar: sensações... resistência... liberdade
Há muitas formas de migrar. Mas qual é o verdadeiro sentido de migrar? Os sentidos podem ser muitos, incluem desde a migração forçada e a parcialmente voluntária, até a migração necessária. O exílio pode ocorrer de diversas formas: pela busca de um lugar melhor, pela busca de um futuro melhor, ou ainda pela procura do nada e do próprio lugar. Um lugar de onde se possa pertencer e ser. O desejo do próprio lugar que se torna mais doloroso, pois remete ao permanente sentimento de estar “fora de lugar”. As razões da migração forçada são as razões do exílio e do permanente sentimento de estar fora de lugar.
Nesta 5ª edição da Mostra Mundo Árabe de Cinema, o espectador perceberá que o tema do exílio forçado ou inevitável e o tema da migração estarão presentes sob diversos aspectos. A migração forçada pela busca de uma vida melhor é abordada de forma contundente em “Harragas”, do argelino Merzak Allouache, filme que mostra claramente como milhares de jovens tentam cruzar o Mediterrâneo a partir da África rumo ao continente europeu, sonhando com uma vida melhor. Obra de ficção fortemente calcada no real, “Harragas” (o nome é uma alusão à queima de documentos feita antes da tentativa de migração), expõe de maneira crua o exílio por opção, porém transcrito por um realismo crítico, e até certo ponto violento. Em contrapartida, Allouache retoma a mesma temática, agora de maneira crítica e bem humorada, em “Porta da Web” que, além de tudo, é uma crítica social aos mecanismos de relacionamento da modernidade. E é por conta dessa maestria do diretor argelino que decidimos também homenageá-lo, incluindo esses dois filmes que estão entre os mais recentes e premiados do diretor e marcam sua trajetória como um dos mais importantes do mundo árabe contemporâneo.
Ainda sob a égide do “fora de lugar”, outros filmes irão mostrar os resultados da imigração forçada que pode levar a deslocamentos e conflitos sociais como os evidenciados no aclamado “O último reduto”. Com sensibilidade e delicadeza, “Capitão da esperança” evidencia um protagonista que sonha em viajar mas que, impossibilitado, apenas o faz por meio de suas leituras e das fantasias que conta às crianças pobres da vizinhança. Não por acaso, em uma das cenas do filme, Abu Raed, o “capitão”, menciona que está lendo de Tayeb Salih o livro “Tempo de migrar para o Norte” (traduzido para o português por Safa Jubran).
A 5ª Mostra Mundo Árabe de Cinema traz também o último filme de Yousry Nasrallah, diretor de origem egípcia, que atuou como assistente de Youssef Chahine – o famoso diretor egípcio, falecido em 2008, homenageado pelo ICArabe na 4ª Mostra Mundo Árabe de Cinema e apresentado recentemente na Mostra Clássicos do Cinema Egípcio. Autor de diversos filmes de destacado conteúdo artístico e histórico, como “La ville” e “Porta do sol” (baseado no livro homônimo de Elias Khoury), Yousry privilegia a presente Mostra com o belíssimo “Sherazade, conte uma história”, filme que aborda o universo da mulher, diante de seus dramas do cotidiano e dos enfrentamentos em uma sociedade que oscila entre a tradição e a modernidade. Os conflitos e as contradições presentes neste filme mostram-se atuais e ao mesmo tempo universais, por fazerem parte da alma humana e dos dilemas da sociedade moderna. O autor irá se apaixonar pela protagonista que cria um ambiente em que mulheres contam suas histórias de amor, ódio e opressão, mas também de libertação.
Efetivamente, o universo feminino está presente em vários filmes da 5ª Mostra Mundo Árabe de Cinema . Em “Dunia” (nome de mulher que em árabe significa “Universo”), a bela protagonista mostra um maravilhoso enlace da dança, da poesia e da sensualidade natural. Ao contrário do que se imagina sobre a mulher árabe, Dunia é o emblema da importância da descoberta emancipadora, do universo feminino, da beleza pura e ao mesmo tempo digna. Dirigido pela experiente e reconhecida diretora libanesa Jocelyn Saab, o filme é uma obra de sensibilidade, que promove o encontro da arte com a filosofia e a poesia dos árabes antigos e modernos. Assim como no filme “Dunia”, a presença de mulheres diretoras também se dá por meio da corajosa diretora Maysoon Pachachi, documentarista iraquiana que retrata a guerra, o conflito e a dor do exílio e da reconstrução das vidas em seu país. Seu “Câmeras abertas” mostra o universo e o olhar feminino por meio das lentes fotográficas de cinco mulheres iraquianas. Além de Cherin Dabis, que sensivelmente filma o universo feminino e a questão do exílio na América, há que se chamar a atenção para a protagonista do bem humorado “Encantos de Paloma”, a sobrevivente Madame Argélia, uma mulher sozinha e sonhadora que ousa enfrentar o conflito oscilando entre os preconceitos e a deterioração social. Da mesma forma temos o sensível “Duas senhoras” que mostra a relação entre uma mulher judia e outra muçulmana. Não poderíamos deixar de falar de Rawan Damen, diretora palestina, produtora da Al Jazeera, que nesta Mostra apresenta a segunda parte de seu documentário “A catástrofe”, minucioso trabalho histórico, realizado com enorme dedicação e seriedade. Por fim, há que se destacar o trabalho pioneiro das diretoras Roni Avni (Israel) e Julia Bacha (Brasil) na realização da premiada produção “Ponto de encontro”. Com coragem, enfrentando críticas e resistências, conseguiram mostrar a luta pela coexistência entre israelenses e palestinos mesmo diante de um cenário desolador de perda e destruição. Em outra revisitação ao tema do exílio, encontramos o tema do retorno. Um encontro com diretores brasileiros juntará Paschoal Samora e Stela Grisotti, diretores de “A chave da casa”, e Otavio Cury, que atualmente roda na Síria e no Líbano o filme “Constantino”. Todos viveram recentemente a experiência de filmar temas árabes, o refúgio forçado, o que há de mais profundo na alma humana.
Quer pelas lentes dos diretores, quer pelas lentes das diretoras, esta 5ª Mostra Mundo Árabe de Cinema oferece ao público brasileiro destacadas produções cinematográficas do mundo árabe de hoje, cujas abordagens cobrem temas da contemporaneidade e da tradição, do conflito e das sensações, da mulher, do exílio, da resistência e da liberdade.
São questões inerentes ao que há de humano em nós, independentemente do país ou do credo. Questões reais que aproximam, humanizam e reconciliam, pois na realidade pouco importam a origem e o local, parece que estamos sempre “fora de lugar”.
Soraya Smaili, diretora Cultural e Científica do ICArabe, e Michel Sleiman, presidente do ICArabe.
A 5ª Mostra Mundo Árabe de Cinema (MOMA) é uma realização do Instituto da Cultura Árabe (ICArabe), em parceria com o Sesc-SP (Serviço Social do Comércio), Prefeitura Municipal de São Paulo e Casa Árabe de Espanha. Conta com a colaboração do Consulado Geral da França em São Paulo e da Cinemateca da França no Brasil.
Em 2010 as exibições ocorrerão no CineSesc (2 a 12/9), Centro Cultural São Paulo (14 a 19/9), Galeria Olido (14 a 23/9), Centro Cultural da Juventude (15 a 29/9), Clube Atlético Monte Líbano (4, 6 e 7/9), CineMulher (10 e 11/9) e Esporte Clube Sírio (18 e 26 de setembro).